De homem para homem.
Algumas noções básicas e indispensáveis sobre feminismo.
Você é a favor ou contra o feminismo?
Você concorda que:
- Mulheres devem receber o mesmo valor que homens para realizar o mesmo trabalho?
- Mulheres devem ter direito a votar e ser votadas?
- Mulheres devem ser as únicas responsáveis pela escolha de suas profissões, e que essa decisão não pode ser imposta pelo Estado, pela escola nem pela família?
- Mulheres devem receber a mesma educação escolar que os homens?
- Cuidar das crianças deve ser uma obrigação de ambos o pai e a mãe?
- Mulheres devem ter autonomia para gerir seus próprios bens?
- Mulheres devem escolher se, e quando, se tornarão mães?
- Mulheres não devem sofrer violência física ou psicológica por se recusar a fazer sexo ou por desobedecer o pai ou marido?
- Tarefas domésticas são de responsabilidade dos moradores da casa, sejam eles homens ou mulheres?
- Mulheres não podem ser espancadas ou mortas por não quererem continuar em um relacionamento afetivo?
Se marcou sim em todas ou quase todas... Sinto afirmar mas... Você é pró-feminista!
(Naturalmente, praticar e viver e defender o feminismo não se resume a dizer "sim" a esses tópicos, mas já é um primeiro passo. Leia a versão original desse teste, criada por Cynthia Semiramis.)
(Cada um no seu lugar. Uns brincam, outros trabalham. Como deve ser!)
Feminismo é a busca por direitos iguais para as mulheres já o machismo é a dominação do homem sobre a mulher. Os dois termos não são, nunca serão, não podem ser análogos. É uma falsa simetria. é como reclamar de não haver um dia da Consciência Branca. (Explicando rapidamente a diferença: uma camisa "100% branco" é de profundo mau-gosto, ao mostrar quem está por cima celebrando sua hegemonia. "100% negro", por outro lado, é a celebração de uma identidade marginalizada tentando se afirmar contra todas as desvantagens inerentes no sistema.) O machismo, por definição, é antimulher mas o feminismo não é, nunca foi, nunca será antihomem. O inimigo do feminismo não é você, homem de carne e osso lendo esse texto, mas a estrutura machista da nossa sociedade.
Outro dia, um amigo me disse:
"O feminismo levado ao extremo é pior do que qualquer machismo".
Mas quando é que o feminismo foi levado ao extremo? Vocês já viram mulheres pregando discurso de ódio aos homens, dizendo que os homens não deveriam poder trabalhar, votar, assinar contrato? Nunca vi ninguém nem mesmo defender isso, quanto mais aplicar no mundo real.
Por outro lado, o machismo, em todas as suas vertentes, é aplicado todo dia, no mundo inteiro, em bilhões de mulheres. E, pior, o machismo mata.
Também tem gente que diz:
"Não sou machista nem feminista, sou humanista!"
Mas os três termos não tem literalmente nada a ver um com o outro: o machismo é um sistema de dominação, o feminismo é uma luta política por direitos iguais e o humanismo é o sistema filosófico materialista que coloca a humanidade em primeiro lugar — em oposição à deus e à metafísica.
Não é nem que são termos opostos ou coincidentes, mas se referem a áreas completamente distintas.
Seria como dizer:
"Não sou nem paulista nem canhoto, sou engenheiro!"
Portanto, falar que "as feministas são tão ruins quanto os machistas" só faz expor o machismo de quem fala.
A feminista mais radical não tem como ser pior do que o machista mais brando.
O feminismo não defende que homens e mulheres são biologicamente iguais, mas sim que devem ter direitos iguais.Muitas vezes, entretanto, só se alcança a igualdade ou equivalência de direitos justamente atentando para as diferenças. A expressão constitucional "todas as pessoas são iguais perante a lei" é mais corretamente interpretada se dizemos "tratar diferentemente as pessoas desiguais para que tenham acesso equivalente ao direito que a lei confere a todas as pessoas".
Afirmar que as feministas são tão ruins quanto os machistas é como dizer que vítimas que clamam por justiça são tão incômodas quanto as criminosas. A principal diferença entre o machismo e o feminismo é bem simples: o feminismo pode ter todos os defeitos do mundo, mas ele nunca matou ninguém. O machismo mata. Todos os dias.
Dez mulheres são assassinadas por dia no Brasil, colocando-o no 12º lugar no ranking mundial de homicídios contra a mulher. Uma em cada cinco mulheres já sofreu violência de parte de um homem, em 80% dos casos o seu próprio parceiro. Em 2011, o ABC paulista teve um estupro (reportado!) por dia. Na cidade de São Paulo, uma mulher é agredida a cada sete minutos.
Para os homens, não basta simplesmente não estuprar: é preciso não alimentar a cultura do estupro.
A violência contra a mulher não acontece num vácuo: ela é possibilitada por todo um contexto de piadas machistas, de objetificação feminina, de controle do corpo da mulher. Quem cria esse contexto somos todos nós, os homens. Somos todos cúmplices.
"Mas iuzomi? Os homens morrem muito mais vítimas da violência que as mulheres!"
Sim, em números absolutos, os homens são a maioria das vítimas de homicídio. A diferença é que quem está matando os homens são os próprios homens. Quando uma mulher sofre uma violência, o agressor é geralmente homem. Quando um homem sofre uma violência, o agressor quase sempre é um homem.
Com uma grande diferença: as violências que sofrem as mulheres geralmente são por ser mulheres. As violências que sofrem os homens nunca são por serem homens mas sim por serem homens pobres, por serem homens negros, por serem homens homossexuais, por serem homens trans.
O fato de os homens serem a maior parte das vítimas da violência não quer dizer que a violência não é machista. Quer dizer que, além de machista, ela é classista, racista, homofóbica, transfóbica. Enfim, outrofóbica.
Não minimize a dor da outra pessoa
Quando um amigo bate com o carro e se machuca gravemente, você...
- minimiza o acidente dizendo que milhares de outras pessoas batem de carro todos os anos?
- dá um esporro nele por não usar cinto?
- menospreza, dizendo, "ah, aposto que você estava correndo"?
- puxa a questão pra você, choramingando "pior fui eu que caí de bicicleta"?
Se você não faz isso com seu amigo que bateu com o carro (estaria indo rápido demais?), que foi assaltado na rua (será que deu mole?) ou que tem câncer de pulmão (quem mandou fumar?), por que fala coisas semelhantes quando as mulheres reclamam das muitas violências que sofrem?
Já vi muitas vezes: uma mulher junta toda sua coragem e determinação para falar e denunciar um estupro que sofreu e, imediatamente, diversos homens, consumidos por uma ansiedade latente para exculpar o estuprador, correndo para se colocar no lugar dele ("e se fosse comigo? e se eu fosse falsamente acusado de estupro?") mas incrivelmente nunca no lugar da vítima, começam imediatamente a não só minimizar a gravidade do crime mas a também buscar maneiras de transferir parte da culpa para a vítima: "deve ter provocado", "estava vestida de forma inadequada", "se colocou em risco porque bebeu", "não deveria ter ido à casa dele", etc etc.
Quando mulheres reclamam de cantadas de rua, essa violenta e invasiva objetificação pública de seus corpos, os homens respondem com variações de:
"Olha, essa coisa aí que você sente na pele e que diz que te incomoda e te apavora, eu, que nunca senti isso na pele, estou dizendo que é pura frescura sua, que isso não tem nada de mais!"
Machismo é isso: achar que você, homem, é quem vai determinar o que assusta ou não as mulheres. Que você sabe, mais do que elas mesmas, a verdadeira gravidade dos problemas que as afligem.
Se você nunca fez diálise e tem os rins perfeitos, não critique a pessoa que reclama de ter que filtrar o sangue todo dia.
Tenha empatia pela dor do outro — especialmente se for uma dor que você nunca experimentou e, teoricamente, nunca experimentará.
TESTE SEU MACHISMO
Imagine que você tem um grupo de pessoas e quer descobrir quantas são alérgicas a uma substância. Pois bem, você pinga uma gotinha na mão de cada uma. Quem reagir à substância, ficar com coceira ou inchaço, é porque é alérgica. Por definição. Ser alérgico é isso: reagir a essa substância.
Pensem no feminismo como essa substância.
Se você é exposto ao feminismo e fica com inchaço ou coceira na mão, se sente incomodado e patrulhado, precisa mudar seu modo de agir e de falar, então é porque seus modos de falar e de agir eram machistas. Machismo é isso. Não tem outra definição.
Se você acha que não, está em denegação. Mas a coceira na sua pele não te deixa mentir.
"Poxa, não sou machista! Até ajudo na casa!"
Estados Unidos, mesa grande, gente do mundo todo. O assunto: casa e filhos, homens e mulheres, machismo e feminismo.
Então, um dos brasileiros, cheio de orgulho, afirmou:
"Ah, eu sempre ajudo minha mulher com as tarefas domésticas."
Para sua enorme surpresa, a outra brasileira da mesa, casada com um holandês e morando há trinta anos no exterior, carimbou:
"Estão vendo agora porque eu sempre digo que o homem brasileiro é machista?"
O pobre brasileiro ficou transtornado. Não entendeu nada. Pensou até que fosse ironia. Que talvez ela não tivesse ouvido bem. Repetiu:
"Está falando de mim? Mas acabei de dizer que ajudo minha mulher em todas as tarefas da casa!"
"Pois é. Ao dizer que "ajuda", o que você está dizendo é: essa obrigação é só dela, mas eu, olha como sou tão legal e tão magnânimo!, até desço aqui do meu pedestal e… ajudo!"
E acrescentou o marido holandês:
"Lá em casa, nós dois dividimos igualmente as tarefas."
Estava eu na casa de uma amiga quarentona, profissional, independente, decidida. Passamos pelo quarto do seu filhão pós-adolescente, de barba e bigode, e ela vê sua toalha de banho embolada no chão. Vai lá, pega, estica na corda, e ainda comenta: "Tsc tsc, igual ao pai!"
Que coincidência!, pensei. E, como não consigo ficar calado, disse: "Você já considerou a possibilidade de simplesmente não pegar a toalha?"
"E quando ele chegar da universidade e quiser tomar banho, vai se enxugar com o quê?"
"Bem, é justamente esse o problema, não é? Você não está dando ao seu filho a menor chance de crescer um homem autossuficiente e organizado. Ele larga a toalha embolada no chão e, quando chega da aula, ela está pendurada, esticadinha e seca no box. É como se fosse mágica. Por que ele mudaria seu comportamento? Pra ele, a situação está perfeita e resolvida."
"Mas, Alex, se eu não catar a toalha, ele vai chegar em casa, vai direto pro banho, e ainda vai gritar de lá: ‘manhêêêêê, cadê a minha toalha?!’ E aí?"
"Por que não responder: ‘filhôôô, a sua toalha deve estar onde você deixou!’? Deixa ele se enxugar um dia com o tapete do banheiro. Molda o caráter e só faz bem."
Nossa sociedade machista e outrofóbica fala, existe, se perpetua através de nós, de nossos corpos, de nossa fala, de nossos preconceitos, da educação que todas nós, homens e mulheres, brancas e negras, ricas e pobres, damos aos nossos filhos e às nossas filhas.
Um casal meu conhecido obriga a filha adolescente a manter seu quarto pronto para receber visita do Rajá da Índia, enquanto o quarto do filho parece um depósito de lixo. Eu já sabia a resposta, mas perguntei mesmo assim. E responderam: "Ué, Alex, ele é menino! Não precisa ser arrumadinho."
Em outra família, o filho de dezesseis pode trazer quantas namoradas quiser e ficar trancado com elas no quarto, estudando filosofia estruturalista, apreciando sua coleção de selos búlgaros ou transando como coelhos — os pais preferem nem saber. Já a filha, de dezessete, não pode nem falar em ter namorados. (Ou, pior, namoradas!) Dizem o pai e a mãe: "Ela ainda é muito jovem, os homens dessa idade não prestam, só querem saber da mesma coisa!"
E tenho vontade de perguntar: "Se não fossem irmãos, você aprovaria o seu filho como namorado para sua filha?" Se a resposta for negativa, é caso de reconsiderar a educação que estão recebendo.
Infelizmente, a grande maioria das mães e dos pais que conheço educa seus filhos e suas filhas exatamente assim. O estupro talvez seja o pior exemplo: estamos há séculos ensinando as meninas como se vestir e como agir – para a segurança delas, claro! Mas talvez fosse a hora de ensinar os meninos como não-estuprar. Quando ensinamos nossa filha a não usar saia tão curta, não é que estamos perpetuando uma prática milenar patriarcal de controlar o corpo das mulheres! Nãããão! É porque queremos o bem delas, pôxa!
Mas, dentre esses pais e mães que controlam as saias das filhas com tanta ênfase e tanto afinco, quantos já usaram a mesma ênfase e o mesmo afinco para controlar os hormônios e os impulsos dos filhos? Para ter uma conversa franca e aberta sobre estupro e escolha? Para ensinar explicitamente aos seus filhos homens que uma mulher embriagada, drogada ou incapacitada não tem como dar consentimento legal e, portanto, que o sexo deve ser deixado para outra noite?
Filhos e filhas vão levar para toda a vida as lições de machismo prático e outrofobia concreta que seus pais e suas mães lhes ensinaram. Alguns talvez consigam, a custa de muito esforço pessoal, apagar e superar esses ensinamentos perniciosos. A maioria, entretanto, em breve repassará as mesmas lições machistas para seus filhos e filhas e, assim, estarão perpetuando a cultura do machismo, do patriarcado, da violência contra a mulher, da desigualdade de gênero, da outrofobia.
"Se as próprias mulheres são machistas, por que EU teria que deixar de ser?"
Sim, muitas vezes, infelizmente, as próprias mulheres são cooptadas pelo machismo e se tornam porta-vozes de seus piores preconceitos. A outrofobia é tão forte que coopta até mesmo o objeto de sua fobia. Entretanto, isso só comprova a gravidade e a urgência do problema: a mulher, quando se deixa infectar pelo machismo e se transforma em vetor da cultura machista, torna-se vítima e algoz, duplamente vítima.
É como se o Aedes aegypti não só transmitisse a dengue, mas também morresse dela.
"Feminismo é coisa de mulher"
Não é verdade sabe porque? A luta por direitos iguais entre homens e mulheres interessa a ambos os gêneros. Ao libertar as mulheres, o feminismo também liberta o homem da sufocante obrigação histórica de tomar sempre a iniciativa, de estar no comando, de ser o provedor, de ter que ganhar mais. O feminismo é antes de tudo uma luta por direitos humanos. A nossa espécie enquanto espécie não pode ir pra frente enquanto metade for escravizada pela outra metade.
Não diga às mulheres o que fazer. Nada pode ser mais intrinsecamente machista do que você, homem, mesmo ó tão pró-feminista e ó tão razoável, querendo dizer às feministas como devem se comportar. Que "seriam mais ouvidas se fossem menos agressivas". Que "deveriam ser mais dóceis". Que não entende porque estão brigando logo com você, que é tããão fofo, tão pró-feminista, tão amigo!
Se você, homem, a essa altura do campeonato, ainda se acha no direito de dizer pras mulheres como devem se comportar; se acha que cabe a você determinar qual é a melhor maneira do feminismo alcançar seus objetivos; se acha mesmo que é aceitável esse tipo de comentário ao mesmo tempo autoritário e condescendente, então, meu amigo, você não entendeu nada.
Mas tem conserto: fecha essa boca, abre esse ouvido. Para um homem, simplesmente ouvir as mulheres, sem interpelar grosseiramente nem minimizar as agressões sofridas, já é um grande, enorme, importantíssimo primeiro passo.
Nossa sociedade não se organizou sozinha, nem caiu pronta do céu: foi organizada por muitos homens (ênfase em "homens"), ao longo de muitos séculos, e obedece, em larga medida, aos interesses de quem a organizou – interesses muitas vezes conflitantes e contraditórios, pois a sociedade é fruto não de uma "conspiração a portas fechadas", mas de um longo processo social e político. No caso do Brasil, nossa sociedade foi engendrada por uma elite machista, classista, hierarquizada, racista, paternalista, hipócrita e autoritária, e continuamos funcionando de acordo com esse paradigma outrofóbico até hoje, mesmo que sob o verniz da democracia e do estado de direito.
Então, se todas as pessoas brasileiras magicamente deixarem de ser outrofóbicas mas as estruturas e instituições permanecerem inalteradas, essa nossa hipotética sociedade sem machistas e sem racistas continuará intrinsecamente machista e racista, e marcada pela mais profunda outrofobia, pela mais crônica desigualdade racial e de gênero.
Acredito nos bons sentimentos de todo mundo, mas não deixo de achar incrível que, mesmo ninguém sendo machista ou racista nessa nossa sociedade tão linda, o resultado final é que as pessoas brasileiras do sexo feminino ou de pele mais escura (e gays e trans* e etc e etc) sempre acabam se dando pior. A Outrofobia sempre vence. O baralho que herdamos já está viciado para beneficiar sempre um tipo específico de jogador. Não basta que os jogadores beneficiados simplesmente não trapaceem – pois, mesmo assim, vão continuar magicamente ganhando todas as partidas.
Agora que você leu um texto de um homem explicando para outros homens as noções mais básicas e rudimentares do feminismo, seu dever de casa para essa noite é... ler as mulheres! Existem sites excelentes que você pode e deve acompanhar, mantidos por escritoras, pensadoras, militantes e estudiosas que recomendo, como Lola Aronovich,Aline Valek, Cynthia Semiramis, Mary W., Marília Moschkovich, e diversas outras, além de blogueiras negras como Jarid Arraes e Djamila Ribeiro. Destaque especial para sites sobre femininismo interseccional e transfeminismo, tópicos explosivos, importantes e negligenciados do feminismo de hoje, mantidos por pessoas cuja militância admiro e que me ensinam muito sobre o tema todos os dias, como Hailey Kaas, Daniela Andrade & Juno Cremonini.
Agradecimentos especiais ao Alex Castro do site Papo de Homem pelo excelente texto. Obrigado.